A GLOBALIZAÇÃO E O SETOR SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO – MARCOS SAWAYA JANK
A presença do capital externo no setor sucroenergético nacional, crescente nos últimos anos, teve nítida aceleração neste início de 2010 com quatro importantes transações confirmadas nas primeiras semanas do ano novo. Isso só fez aumentar a percepção de que a indústria brasileira de cana-de-açúcar, primeira atividade econômica documentada da história do País, caminha rapidamente para uma realidade diferente da que conhecemos hoje.
O capital externo não é novidade no setor e nem sempre tem sido preponderante, como ilustra uma dessas transações: a união entre Brenco e ETH, em que o capital nacional é amplamente majoritário. Mas, relatos históricos mostram que o envolvimento estrangeiro já era realidade nos séculos XVI e XVII, quando o açúcar, produzido de forma artesanal, era avaliado na Europa em pé de igualdade com o ouro em pó.
No início do século XX, os franceses do Grupo Sucrerie montaram os primeiros grandes engenhos centrais em Rafard, Porto Feliz e Piracicaba, no Estado de São Paulo. Já na fase do Proálcool, na década de 70, empresas de capital britânico participaram ativamente como fornecedoras de cana para alguns dos principais grupos da época, entre eles Guarani, Santa Elisa e Generalco.
Encerrada a intervenção direta do governo na produção e comercialização do açúcar e do etanol, no final da década de 90, foram novamente os franceses os primeiros a investir. Em 2000, a Cosan, que em janeiro deste ano se uniu à Shell na maior transação da história do setor, estabeleceu parceria com o grupo francês Union SDA. Posteriormente, o SDA se fundiu com outras cooperativas francesas que haviam adquirido a Beghin Say, que por sua vez adquiriu a Açúcar Guarani em 2001. A fusão dessas cooperativas em 2002 levou à criação da Tereos, que assim, já nasceu como controladora da Guarani.
Ainda em 2002, a também francesa Louis Dreyfus adquiriu a usina Cresciumal, em Leme (SP), dando início à criação do que é, atualmente, o segundo maior grupo em atividade na indústria brasileira da cana em termos de moagem: o LDC-SEV, ou Louis Dreyfus Commodities – Santelisa Vale. O grupo atingiu o porte atual em 2009, com a aquisição do controle de uma das empresas mais tradicionais do setor, a Santelisa Vale.
Completando as transações deste jovem 2010 estão a aquisição do Grupo Moema pela multinacional Bunge e a chegada ao setor do maior grupo refinador de açúcar da Índia, o Shree Renuka Sugars. Os indianos ficaram com 50,8% da Equipav Açúcar e Álcool, com usinas nas cidades paulistas de Promissão e Brejo Alegre.
Por trás dessa movimentação está uma série de acontecimentos que se tornaram mais perceptíveis na primeira década do novo milênio, sem controles governamentais. Ali teve início a grande decolagem do setor, com ganhos de eficiência e produtividade que só poderiam ter ocorrido em um ambiente de livre mercado. O etanol brasileiro saltou para o holofote global como solução energética eficiente e renovável, imprescindível em tempos de procura por soluções para os desafios do aquecimento global.
Este aspecto ganhou manchetes mundiais com a recente decisão da agência ambiental dos Estados Unidos, a Environmental Protection Agency (EPA), que designou o etanol produzido no Brasil como “biocombustível avançado.” O reconhecimento oficial da capacidade do etanol brasileiro de reduzir emissões de CO2, em patamar superior ao de qualquer outro tipo de biocombustível, abre as portas para uma futura expansão nas exportações.
No Brasil, a chegada do carro flex em 2003 acelerou o crescimento e de novo projetou o setor mundialmente. Consolidava-se um novo perfil, alinhado com as necessidades ambientais mais urgentes do planeta e convergente com avanços técnicos e estratégicos obtidos pelo setor, que alavancam a eficiência e a viabilidade comercial do projeto brasileiro.
O que vemos, portanto, é o resultado de mais de três décadas de conquistas do setor sucroenergético nacional, que fizeram do Brasil exemplo de sucesso na produção e uso em larga escala de um combustível renovável e de baixo carbono, como hoje quer o mundo. Conquistas duramente testadas por questionamentos de toda sorte e compreensíveis, na medida em que algo que é parte do dia-a-dia dos brasileiros desde a década de 70 surgiu como novidade recente para quem vive em outras partes do planeta. Reflexo do interesse global, a UNICA recebeu em 2008 e 2009 mais de 320 delegações estrangeiras em busca de informações sobre o setor sucroenergético brasileiro, procura que se mantém aquecida em 2010.
Conclui-se que, ao buscar respostas, o mundo descobriu aos poucos que o mais bem-sucedido projeto de substituição de combustíveis fósseis por renováveis do planeta é mesmo tudo aquilo que foi dito a seu respeito, e promete ser muito mais. Cresce rapidamente o número de novas vertentes que vão gerar crescimento adicional nos próximos anos, como a bioeletricidade, os bioplásticos e a produção de hidrocarbonetos como diesel e querosene de aviação “limpos” a partir da cana-de-açúcar. Sem falar em ganhos adicionais de eficiência e produtividade na produção de etanol.
Essas constatações naturalmente aguçaram o interesse de empresas de porte global, hoje satisfeitas com o que descobriram sobre o setor, sua forma de atuação e futuro amplamente promissor. Com algumas empresas ainda se recuperando dos efeitos da crise financeira do ano passado, ficou mais fácil, em alguns casos, concretizar negócios. O resultado foi um avanço mais rápido do que o esperado.
Em 2007, o capital estrangeiro controlava 22 empresas, ou 7% do setor no Brasil. Na época, a UNICA projetava um crescimento para 12% em 2012, previsão já superada: até o final de 2009, 44 das mais de 430 usinas em atividade no país eram controladas por capital externo, juntas representando perto de 14% dos cerca de 590 milhões de toneladas de cana que deverão ser processados no país na safra 2009/10. Incluídas as quatro grandes transações anunciadas em 2010, o percentual, revisto pela UNICA, agora é de 22%.
Nitidamente, o período de questionamentos foi substituído pela tomada de decisões, por protagonistas que vão das empresas alimentícias às petroleiras, químicas e elétricas. “Descobertos” pelo mundo, não será surpresa se novas transações ocorrerem, paralelamente a um essencial processo de consolidação em um setor ainda fragmentado, com cerca de 200 grupos empresariais em atividade.
Mesmo que novas fusões e aquisições envolvam capital externo, o setor tende a permanecer majoritáriamente em mãos brasileiras, diferente do que se vê em inúmeros outros setores da economia e do próprio agronegócio brasileiros. Por outro lado, é fundamental não perder o foco no que é realmente importante. A qualidade e o compromisso do capital serão sempre mais relevantes do que sua origem, e nesse sentido o setor tem atraído investidores comprometidos com o bom desempenho, a busca pela inovação e ganhos de eficiência e produtividade, independentemente da origem do capital.
Vale frisar que os participantes mais recentes do setor têm preservado aspectos importantes e positivos, como as relações com fornecedores de cana e proprietários de terras nos moldes tradicionais e o crescimento na participação de produtores agrícolas independentes no fornecimento de cana. A presença de grupos sólidos e capitalizados também traz mais equilíbrio à comercialização do etanol no mercado interno, reduzindo a incidência de situações em que o produto é despejado a preços baixos para gerar capital de giro.
São posturas vitais para quem pretende atuar em um setor cuja importância, para o país e o mundo, se torna cada vez mais evident
Marcos Sawaya Jank é presidente da UNICA – União da Indústria de Cana-de-Açúcar; revista Produtor Rural, edição de março/2010
Fonte Brasil Agro
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