USINAS DE ETANOL E LABORATÓRIOS PODEM GANHAR COM DISPUTA COM EUA
A decisão do Brasil de aumentar as taxas de importação sobre uma lista de 102 produtos americanos, em resposta aos subsídios concedidos por Washington à produção interna de algodão, pode ser revista nos próximos dias. Segundo especialistas, haverá uma conversa entre o governo brasileiro e os Estados Unidos que pode levar a uma alternativa que suspenda a retaliação.
“Não haverá uma guerra comercial entre os dois países. Pelo contrário, o objetivo é chegar a um acordo nos próximos 30 dias”, explica Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington e em Londres. Para o consultor de relações internacionais, os Estados Unidos não esperavam que a Organização Mundial do Comércio (OMC) fosse dar parecer favorável ao Brasil. “É a primeira vez que temos a possibilidade de retaliar alguém. Isso espanta qualquer um que esteja na frente da mira”, completa.
Há dois motivos principais que justificariam os esforços dos Estados Unidos em evitar qualquer tipo de penalização. O primeiro tem a ver com a participação ativa no mercado brasileiro. No ano passado, o volume de importação de produtos americanos foi de 20 bilhões de dólares, enquanto a exportação brasileira para os Estados Unidos alcançou 15,6 bilhões de dólares. Isso significa que a maior potência mundial não quer perder a oportunidade de se expandir numa economia emergente com grande potencial de crescimento do consumo nos próximos anos.
QUEBRA DE PATENTES
Outra razão pela qual os Estados Unidos tentariam selar um acordo de paz é o fato de o Brasil ter em mãos um recurso conhecido como “retaliação cruzada”. O país poderá deixar de lado determinadas obrigações com os direitos de propriedade intelectual e quebrar algumas patentes – como, por exemplo, as de remédio. Essa ação provocaria um ataque direto à indústria farmacêutica americana, beneficiando os fabricantes de genéricos que atuam no Brasil.
“Nos anos 80, quando fui embaixador no GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), os Estados Unidos nos aplicaram retaliações cruzadas sem ter uma legislação que justificasse o ato”, conta Rubens Ricupero, ex-embaixador do Brasil em Washington e ex-ministro da Fazenda. Naquela época, diante de tamanha pressão americana, o presidente Fernando Collor enviou ao Congresso uma proposta de lei de propriedade intelectual. “Os EUA se lembram de como eles foram inflexíveis com o Brasil. Por isso, temem que haja uma revanche”, diz ele.
Entre as exigências do Itamaraty para não retaliar os Estados Unidos com 829 milhões de dólares por ano, está a mudança no programa de subsídios ao algodão americano para que o produto brasileiro não seja prejudicado. Esse é um pedido um tanto quanto complexo, porque, afinal, envolve o Congresso americano, que não costuma mexer em sua legislação agrícola. Fora isso, o National Cotton Council (Conselho Nacional do Algodão) exerce uma forte pressão sobre os deputados e senadores americanos. Em nota oficial, o NCC acredita que os dois governos se empenharão ao máximo em discussões para evitar os “efeitos nocivos da retaliação”. Mas, em nenhum momento, a organização menciona uma possível concessão ao Brasil.
PLANO B
Caso os Estados Unidos torçam o nariz para a proposta de mudança em seu sistema agrícola, o Brasil já tem um plano B: conseguir reduções de barreiras tarifárias para produtos brasileiros no mercado americano. Nesse contexto, o etanol entraria na primeira posição da fila. Hoje, o bicombustível brasileiro, que vem ganhando fortes consolidações no setor rumo a um processo de internacionalização, enfrenta uma sobretaxa de 0,54 centavos de dólar por galão. A esperança era de que esse cenário se revertesse com a eleição do presidente Barack Obama. No entanto, nenhuma medida foi tomada ainda.
“Em último caso, se não houver um consenso, o Brasil deverá manter com firmeza a retaliação aos Estados Unidos”, afirma Ricupero. Com isso, a tarifa do trigo poderá triplicar, enquanto a sobretaxa do algodão americano aumentará de 6% para 100%. O valor da importação de outros produtos como cosméticos, pasta de dente, lâminas de barbear e sabonetes poderão passar de 18% para 36%. A lista negra do Brasil deverá valer a partir do próximo dia 7 de abril – e terá doze meses de duração. Depois desse período, os Estados Unidos poderão pedir uma revisão do julgamento da OMC (Portal Exame, 10/3/10)