SUCO, ETANOL E BIODIESEL NO FOCO DO PORTO BELGA DE GUENT
Crise financeira fortaleceu planos de diversificação de cargas.
O iate se aproxima de um cais no porto de Ghent, no norte da Bélgica, e para a poucos metros de uma área com grandes silos para armazenagem de grãos. Fons Maes, secretário-geral do Conselho Belga de Biodiesel, aponta em direção ao píer e anuncia: “Temos aqui um cluster de biocombustível.” No local, há uma operação logística integrada para receber matérias-primas, produzir biodiesel e etanol e escoar os produtos via barcaças ou navios até os mercados consumidores. Os biocombustíveis tornaram-se uma das apostas de crescimento e diversificação para Ghent, um dos cinco maiores portos fluviais da Europa.
No desenvolvimento do negócio de biocombustíveis, o Brasil aparece como parceiro estratégico. “Ninguém tem melhores cartas para jogar em etanol do que o Brasil”, diz Maes. O Brasil é também o principal parceiro de Ghent considerando-se o volume total de cargas que passa pelo porto. Em 2009, o Brasil respondeu por 10% do comércio marítimo que trafegou por Ghent (em anos normais esse percentual chega a ser duas vezes maior). Passaram por Ghent 20,8 milhões de toneladas de cargas marítimas, das quais 2,1 milhões de toneladas corresponderam ao comércio com o Brasil.
Ghent movimentou outras 16,4 milhões de toneladas via barcaças fluviais, levando produtos por hidrovias para países como França e Holanda. Entre os principais produtos do Brasil em Ghent estão soja, suco de laranja, sal, produtos siderúrgicos e minério de ferro. Duas das maiores empresas do mundo no mercado de suco de laranja – Citrosuco, controlada pelo brasileiro Grupo Fischer, e a francesa Louis Dreyfus – têm terminais em Ghent. Na estratégia de diversificação, um segmento de negócio que vem crescendo muito no porto de Ghent é o de suco de laranja não concentrado (conhecido no setor pela sigla NFC).
Paul Van Daele, diretor técnico da Citrosuco Europe, em Ghent, diz que em 2009 o terminal movimentou 350 mil toneladas, volume recorde e algo como 20% maior se comparado a 2008. “Esperávamos que o NFC caísse [com a crise] porque é mais caro. Mas o que aconteceu foi que o NFC cresceu e o [suco] concentrado caiu um pouco”, diz Van Daele.
A tendência para os próximos anos é a mesma. Uma tonelada de concentrado representa 5,5 toneladas de NFC. Rick Sabiran, gerente de produção da Louis Dreyfus em Ghent, diz que hoje o NFC representa cerca de 30% do volume movimentado pelo terminal da empresa no porto (os outros 70% correspondem ao concentrado). Até o fim do ano, o NFC deve responder por 50% do volume de suco no terminal da empresa. A Louis Dreyfus começou a operar com NFC, em navios a granel, por Ghent, em março de 2009.
Daan Schalck, presidente-executivo de Ghent, considera a diversificação fundamental para o crescimento do porto no pós-crise. Outro fator estratégico é a construção de uma nova eclusa para permitir o acesso de navios maiores ao porto, projeto previsto para estar pronto só em 2020 e que depende de entendimentos com a Holanda uma vez que o acesso a Ghent, por hidrovia, desde o Mar do Norte, se dá via território holandês. Ghent também conta uma área “greenfield” de 400 hectares para o desenvolvimento de projetos industriais e logísticos. “Depender muito de uma ou duas companhias pode ser uma fraqueza em situação de crise”, diz.
A lição com a crise financeira iniciada em 2008 foi dura para Ghent, administrado pela prefeitura da cidade de mesmo nome e que está situado a cerca de 50 quilômetros ao norte de Bruxelas, capital da Bélgica. A crise evidenciou o risco de depender muito de um só produto ou empresa. A recessão fez cair o comércio mundial e afetou seriamente o setor siderúrgico. Com o fechamento de altos-fornos, entre os quais da ArcelorMittal, que tem uma grande usina integrada no porto, Ghent viu despencar em 22%, no ano passado, a movimentação de cargas no transporte marítimo. Foram menos 6 milhões de toneladas sobre 2008.
O movimento foi influenciado pela queda nos volumes de minério de ferro e carvão que passam por Ghent para alimentar a usina da ArcelorMittal, que, em anos normais, responde por um terço da movimentação marítima do porto. O pior da crise ficou para trás e os altos-fornos que foram desligados estão voltando a operar. Mas a lição ficou para Ghent, um dos três principais portos de Flandres, como é conhecida a região norte da Bélgica (os outros dois são Antuérpia e Zeebruge).
Os bicombustíveis são, para Schalck, um caminho de diversificação com “adição de valor”. Uma ou duas vezes por mês navios carregados com soja do Brasil atracam em Ghent e parte do produto é transformado em biodiesel. Em 2009, foram importadas 400 mil toneladas de produtos de soja do Brasil. Ghent tem capacidade de estocagem de 1,3 bilhão de litros para combustíveis tradicionais e biocombustíveis. Em Ghent, o etanol é elaborado a partir de grãos como sorgo e milho.
Ghent se autodefine como líder europeu na pesquisa e desenvolvimento da primeira geração de biocombustíveis, incluindo produção e logística. No porto, há também um projeto-piloto para produção de biocombustíveis de segunda geração, a partir de resíduos. Segundo Schalck, há potencial de crescimento para Ghent em graneis líquidos, incluindo petróleo e biocombustíveis. A previsão leva em conta a obrigação legal belga de adicionar 4% de biocombustíveis aos combustíveis tradicionais, acrescenta Fons Maes, do Conselho Belga de Biodiesel. Esse percentual deve aumentar para 7% e chegar até 10% nos próximos anos. Geraldine Kutas, assessora da presidência da brasileira União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) para assuntos internacionais, diz que hoje há duas barreiras de acesso para o etanol brasileiro ao mercado europeu. Há uma tarifa de importação de € 0,19 por litro sobre o valor CIF e uma barreira técnica relacionada à especificação do produto. Outro ponto que preocupa é a futura aplicação de critérios de sustentabilidade que devem entrar em vigor na Alemanha, em julho, e no resto da União Europeia até novembro. “O tamanho do mercado europeu vai crescer para o etanol mas vai demorar dez anos”, prevê Geraldine. Para promover e esclarecer questões sobre o etanol, a Unica abriu há quase dois anos escritório em Bruxelas (Valor, 15/3/10)
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