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Indenização aos ruralistas

Comissão do Senado aprova projeto que prevê pagamento aos fazendeiros obrigados a devolver propriedades instaladas em reservas. Índios criticam e dizem que eles deveriam ser compensados 
# Luiza Seixas
 
Aqueles que compraram terras sem saber que eram reservas indígenas e terão que devolvê-las para a União receberão indenização do governo. A determinação é de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), aprovada na última quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. O relator da proposta, senador Valter Pereira (PMDB-MS), lembrou que atualmente a Constituição, responsável pelas regras de demarcação das áreas, não permite a indenização dessas terras e nem que o proprietário ingresse com ação para se ressarcir dos prejuízos. Portanto, a emenda pretende acabar com esse problema para permitir que o proprietário busque o amparo judicial e que a União indenize aquela propriedade. Para receber a indenização, será preciso apresentar títulos de domínio das terras e estar em situação regular e legal de ocupação fundiária.
 
Atualmente, como lembrou o senador, a Constituição faculta ao poder público desapropriar imóvel para efeito de demarcação em favor da comunidade indígena, portanto, não preservava o direito do produtor rural, submetendo-o ao risco de perder todo o dinheiro investido durante anos no aprimoramento da sua fazenda.
 
“Com essa nova legislação, se espera dar a segurança jurídica que os proprietários precisam para poder investir. Essa indenização vai obrigar o governo a ter mais comedimento na análise desses processos. É muito confortável desapropriar uma área sem ter nenhuma responsabilidade de pagamento e tendo a certeza que não será molestado por quem foi prejudicado”, afirmou.
 
O valor da indenização, explicou o senador, ainda não foi estipulado. “Isso vai variar em relação ao estado, a região e ao tamanho da propriedade. Não temos um valor pré-estabelecido. Geralmente há um laudo de avaliação e se estabelece o preço de acordo com esse documento”, explicou.
 
Para a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), com a PEC, o país conquistou um novo marco da segurança jurídica no campo. “Um país que não proporciona segurança ao cidadão não merece crédito”, discursou.
 
Durante o debate na CCJ sobre a emenda, Kátia Abreu sugeriu que fosse eliminada a limitação de que pudessem ser indenizados somente os empresários rurais que tivessem títulos de domínio emitidos até 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição Federal. A proposta foi aceita pelo relator da matéria. Ela lembrou que sem esse aperfeiçoamento, quem tivesse emitido títulos de propriedade depois de 1988 ficaria sujeito à possibilidade de perder todo o investimento no caso de desapropriação.
 
O presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, Eduardo Correa Riedel, também elogiou a aprovação da matéria. Segundo ele, essa é uma discussão antiga que vem com o objetivo de minimizar os diversos conflitos existentes entre etnias e produtores. “Então, essa PEC vem abrir um caminho jurídico. Hoje, muitas vezes os produtores, que não são grileiros e adquiriram a terra de maneira legal, ficam sem o seu patrimônio por causa da falta desse instrumento jurídico.”
 
Segundo Riedel, há três anos o estado vem discutindo essa demarcação de territórios indígenas, o que resulta em conflitos entre os dois lados. “Aqui no estado, temos 37 áreas em litígio, então, acho que essa emenda vai diminuir essas guerras que presenciamos hoje. A gente espera que ela realmente seja criada e efetivada.”
 
Por ser uma PEC, ela terá que ser aprovada duas vezes pela maioria no plenário do Senado e, em seguida, ser analisada pela Câmara dos Deputados.
 
Essa PEC vem abrir um caminho jurídico. Hoje, muitas vezes os produtores, que não são grileiros e adquiriram a terra de maneira legal, ficam sem o seu patrimônio”
Eduardo Correa Riedel, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul
 
O temor dos índios
 
Enquanto os ruralistas celebram a aprovação da indenização na CCJ do Senado, para os representantes indígenas, essa é mais uma manobra política para o governo dizer que está preocupado com os índios. Segundo Anastácio Peralta, chefe das lideranças indígenas do povo Guarani, em Mato Grosso do Sul, principal afetado pelo problema da demarcação de terras, nessa história, quem precisa ser indenizado é o índio, que recebe a terra de volta sem nenhuma benfeitoria. “Haverá mais conflito, pois eles não estarão fazendo nada mais justo do que devolver a terra para o dono. E eu não entendo como alguém que roubou essa terra pode ser premiado por isso. Nós, índios, é que precisamos de recursos, pois quando recebemos de volta, não temos mais mato para caçar e nem rio para pescar. Já está tudo degradado”, argumentou.
 
De acordo com o coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Pantanal, Ramão Terena, por mais de 500 anos os índios vêm lutando para conquistar seus direitos. Para ele, é obrigação do governo devolver as terras e, por isso, não há motivo para que “os posseiros recebam dinheiro por isso”. “Além disso, essa proposta será mais um motivo para que o governo nos enrole. Eles vão dizer que não têm dinheiro para pagar a indenização e vão atrasar ainda mais a devolução das terras”, afirmou.
 
Terena disse ainda que a demarcação das terras é o principal motivo para o conflito entre os índios, os proprietários rurais e a população. “Se não resolver esse problema, nós vamos continuar assistindo a cenas de índios sendo despejados e assassinados.” (LS)

CORREIO BRAZILIENSE – DF