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A Manta de Carneiro dos Inhamuns

mercado_manta_carneiro_300_225Os produtos cárneos processados vêm ao longo dos anos fazendo parte da dieta de uma parcela considerável de consumidores brasileiros. Dentre estes produtos, alguns se destacam como a carne de sol e/ou de charque, muito produzidos nos sertões nordestinos. Alguns desses produtos e derivados de ovinos e caprinos têm a fama de possuírem as­pecto e sabor diferenciado, provavelmente em função das plantas existentes na caatinga, tipo de solo, clima e da forma de criação desses animais.
O município de Tauá, localizado na microrregião homogênea dos Inhamuns (CE), apresentado características am­bientais e históricas favoráveis ao desenvolvimento de iniciativas de promoção e valorização de produtos cárneos de ovinos e caprinos elaborados por pequenos agricultores. Em alguns municípios da região dos Inhamuns, principalmente no município de Tauá, existe o produto denominado “Manta de Carneiro”, conhecido em várias regiões do Brasil. Nessa região, a ovino­cultura e a caprinocultura constituem-se atividades tradicionais, considerada um polo potencial de desenvolvimento destes pequenos ruminantes domésticos, apresentando um rebanho significativo e um arranjo produtivo que favorece a modernização destes segmentos produtivos.
A “Manta de Carneiro” é a carcaça inteira retalhada (ou “escalada”), temperada com sal e secagem/desidratação por um tempo de 2 ou 3 horas ao sol e à sombra. Alguns “processadores/esca­ladores” também utilizam para a salga uma mistura de sal e pimenta. É um processo secular e artesanal de preparação, sendo os conhecimentos repassados por familiares contendo aspectos pró­prios da cultura local.
No passado, os fazendeiros do se­miárido nordestino produziam a “manta” do ovino ou caprino no inverno, quando os animais estavam gordos, para a manutenção da família durante o verão. Em Tauá, além deste aspecto, havia a questão do comércio entre os fazendeiros locais e comerciantes da região do Cariri Cearense. Conta-se que os fazendeiros deslocavam-se em viagem por ­se­manas com o produto “Manta de Car­nei­ro” para a região sul do Ceará, com objetivo de realizar negócios e trocas de mercadorias, de forma em geral. Neste período da viagem utilizavam o produto “Manta de Carneiro” salgado e conservado para se alimentar. A produção da “manta” segue o seguinte protocolo: o animal é abatido, reti­rado o couro, a “fussura”, as vísceras, as pa­tas e, em seguida, é “escalado”. Existem dois processos: l em que a carcaça é retalhada deixando os ossos grandes. É retirada a coluna vertebral, ficando as duas partes/bandas juntas, recebendo o nome “Manta tradicional”; l em que ocorre a retirada dos ossos grandes e a coluna vertebral, deixando os ossos das costelas, em segui­da, a carcaça é separada em duas partes/bandas. Entre os dois processos, o ­segundo agrega mais valor em torno de 50%. Este processo de elaboração da “manta” é relativamente complexo e são poucas as pessoas que têm o domínio dessa tecnologia artesanal.
O conhecimento deste processo de confecção da “manta” não foi adquirido em cursos ou treinamentos formais, mas sim, por meio de repasse de pai para filho, ou processo similar. Os procedimentos, desde o abate do animal ao processamento da “Manta de Carneiro”, ainda deixa a desejar, tendo em vista que as instalações utilizadas no abate dos animais, o próprio abate e a preparação “do escalar”, as “mantas”, não seguem os requisitos mínimos de controle sanitário, inspeção e boas práticas de fabricação – justamente por ser prática de longa tradição. Após a preparação, as “mantas” são expostas ao sol ou à sombra, ao ar ­livre, sujeitos a poeira, moscas e outros animais. Não há processo de embalagem adequado e, após a secagem, as “mantas” são colocadas à sombra e/ou equipamento de refrigeração sem nenhuma técnica de resfriamento adequado da carne. Conforme informação, o tempo médio de prateleira das “mantas” fica entre três a cinco dias, em função da perda de qualidade do produto e da falta de capital de giro para manter um estoque. A origem dos animais destinados à produção da “manta” são principalmente ovinos, com média entre 30 a 35 quilos e um ano de idade.
Os animais são ori­ginários de algumas localidades específicas no município de Tauá, rigorosa­mente selecionados pelos compradores/escaladores. Muitos dos escaladores já adquirem o animal na forma de carcaça e são “escalados” pelo comprador que pode ser o próprio dono do restaurante. A definição de um animal padrão, bem como a identidade e qualidade do produto ainda deve ser motivo de estudos e avaliações. Estima-se que o volume de produção de “mantas” nos municípios de Tauá, Independência, Crateús e Parambu, seja em média de 800 peças por semana. Em levantamento preliminar realizado a “Manta de Carneiro de Tauá” foi iden­tificada como um produto que apresenta atributos que lhes conferem amplas possibilidades de mercado, não apenas por suas características organolépticas e nutritivas, mas também por que eles tra­zem a marca de um território, de um mo­do de produzir de um povo e de suas tradições.
A disponibilização e apropriação de dados técnico-científicos sobre a ambiência dos animais, o processo de elaboração, a qualidade química, nutri­cional e vida útil da “manta”, orientada pa­ra um padrão de identidade e qualidade assegurada do produto ao consumidor, ainda, são inexistentes no atual contexto da pesquisa. A “Manta de Carneiro” dos Inha­muns/Tauá poderá se transformar num potencial produto com maior apelo e importância sócio-econômica desde que alguns passos sejam seguidos: l melhoria da organização dos produtores de forma a regularização da oferta e escala de produção de animais padrão para atender aos mercados potenciais; l treinamento e adoção de boas práticas de abate, de fabricação/pro­cessamento, embalagem e refrigeração; l sensibilização e capacitação dos agentes de comercialização; l em momento adequado realizar ampla campanha de promoção e mar­keting “da Manta” junto aos mercados na região e estados do Brasil; l finalmente, o processo da viabi­li­zação de identificação geográfica do produto “manta”. Francisco Selmo Fernandes Alves é PhD – Pesquisador da Embrapa Caprinos e Ovinos

09/11/2009Revista O Berr0 Nº128 – Francisco Selmo Fernandes Alves