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Etanol – Cada vez mais perto do etanol celulósico

Empresa traz para o Brasil enzimas capazes de auxiliar na produção de álcool a partir do bagaço de cana.
A produção do etanol celulósico – o etanol extraído a partir da biomassa, como o bagaço de cana, por exemplo – pode finalmente ganhar escala industrial. Esse processo, que já é estudado há pelo menos uma década no mundo, pode aumentar em pelo menos um terço a produção de etanol no País, atualmente em 24 bilhões de litros, e tornar mais próxima a consolidação do mercado externo de biocombustíveis.
A Novozymes Latin America, multinacional de biotecnologia de origem dinamarquesa, que há dez anos estuda o desenvolvimento de enzimas capazes de aproveitar os resíduos agrícolas para produzir o etanol celulósico ou de segunda geração, como também é chamado, apresentou, durante o F. O. Licht”s Sugar & Ethanol 2010, na semana passada, em São Paulo (SP), sua nova tecnologia.
São duas enzimas que devem baratear o processo de hidrólise das biomassas. É esse processo que vai permitir às usinas obter glicose a partir dos resíduos da cana e ampliar, assim, a produção do biocombustível. “Já testamos a eficiência das enzimas em plantas de demonstração nos Estados Unidos, usando palha de milho. Agora, vamos comprovar a sua eficiência no Brasil, com o bagaço de cana”, diz o presidente da empresa na América Latina, Pedro Luis Fernandes.
Parcerias. A empresa diz que irá buscar parcerias com centros de referência, como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC ), de Piracicaba (SP), e o Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE), de Campinas (SP), para montar plantas de demonstração, para simular o processo de produção do álcool celulósico em escala industrial.
O CTBE, por exemplo, irá concluir até o meio deste ano a primeira planta para experimentos com o etanol celulósico do País. “O prédio está quase pronto e as máquinas já chegaram. Até 2011 pretendemos realizar um grande experimento, com participação da comunidade científica”, diz o diretor do CTBE, Marcos Buckeridge.
Segundo ele, diferentemente de uma planta de demonstração, onde é possível apenas simular o ambiente industrial, a usina piloto em questão permitirá também o desenvolvimento de cada etapa do processo.
Buckeridge, que também é coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) do Bioetanol, diz que as descobertas nessa área têm avançado muito. “Em todo o mundo há o desenvolvimento de novas enzimas, o que pode baratear a produção do etanol de segunda geração. No ano passado, só o INCT investiu US$ 1 milhão e temos várias enzimas em ponto de descoberta científica”, revela.
Desafios. O esforço coordenado de pesquisa é outro fator que faz Buckeridge acreditar que o álcool celulósico tenha potencial para deslanchar. Segundo ele, apesar de o desenvolvimento das enzimas ser um ponto fundamental, há outros desafios, como a melhoria genética das leveduras que vão fazer a fermentação da glicose obtida da biomassa. “As leveduras que fermentam a glicose do caldo da cana não digerem a glicose vinda da biomassa da mesma forma. Por isso, temos trabalhado também na pesquisa de novas leveduras”, diz o pesquisador Buckeridge.
O programa de cana do Instituto Agronômico (IAC-Apta) também tem se voltado para o tema. Segundo o especialista em melhoria genética e diretor do Centro de Cana do IAC-Apta, Marcos Landell , já estão sendo identificadas variedades de cana que possuem alta produção de celulose e poderiam se encaixar bem na nova indústria. Entre elas, duas variedades lançadas recentemente merecem destaque, para o pesquisador: a IAC 91-1099 e IACSP 95-5000. “Elas têm o perfil biológico de alta produção de biomassa”, diz Landell.
O fato de o Brasil ter uma agroindústria de açúcar e álcool bem desenvolvida, além de matéria-prima abundante, põe o País em vantagem também em relação ao etanol celulósico. É o que pensa o gerente de Desenvolvimento Estratégico e Industrial do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), Jaime Finguerut.
Mais perto. “Nós não temos os milhões de dólares dos americanos, que pesquisam as enzimas na palha de milho. Mas estamos mais perto da linha de chegada”, diz. “Só o que precisamos fazer é acoplar o processo de hidrólise nas nossas usinas, que já são eficientes. O bagaço atualmente já está dentro da dinâmica das usinas. Moído, picado e pronto pra virar álcool”, diz Finguerut, citando o fato de que em outros países é preciso montar todo o processo logístico das biomassas (Agência Estado, 31/3/10)
Em termos mercadológicos, há um longo caminho
Ainda que empresas de biotecnologia e institutos de pesquisa estejam avançando no domínio das tecnologias para a produção do etanol de segunda geração, isso não deve mudar, de imediato, a cara do mercado de etanol. É o que pensa o consultor em Emissões e Tecnologia da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Alfred Szwark. “Mesmo sendo comprovada a viabilidade comercial do etanol celulósico, nem todas as empresas investirão na tecnologia de imediato”, diz.
Haverá, é claro, as empresas inovadoras que vão apostar logo de cara. E as mais austeras, que preferem esperar para ver se a tecnologia dá retorno. “Então, essa visão de que a produção nacional de etanol pode até dobrar é mais baseada no potencial da tecnologia do que nas regras do mercado.”
Além disso, para Szwark, a distância entre a fabricação do etanol de segunda geração em plantas de demonstração e a sua aplicação na indústria pode ser maior do que se espera. “Produzir em laboratório é diferente da produção na indústria. No laboratório, todas as variáveis são controladas. Por isso, na etapa pré comercial os cientistas vão enfrentar muitos desafios”, diz.
Mercado interno. “E, mesmo que o Brasil dobre a sua capacidade de produção, hoje próxima dos 24 bilhões de litros por ano, quem é que vai comprar todo esse etanol? Temos que considerar que o etanol brasileiro é quase todo consumido pelo mercado interno”, diz o diretor da Archer Consulting, Arnaldo Luiz Correa, especialista em derivativos agrícolas.
Para ele, ainda que o aumento da produção seja significativo, não vai impactar o mercado externo. Só os EUA consomem 400 bilhões de litros de gasolina/ano. Nem que eles quisessem poderiam passar a rodar com carros movidos a álcool”, diz. “Isso sem contar as barreiras impostas ao etanol brasileiro”, completa Szwark.
Na visão de Corrêa, para que o etanol possa virar uma commodity, é preciso mais do que o investimento em tecnologia, e sim que outros países invistam no etanol. “E enquanto o preço do produto não for livre, controlado pela oferta e demanda, ele não pode ser considerado commodity.”
 (O Estado de S.Paulo, 31/3/10)