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Condições dos solos para o cultivo de cana-de-açúcar

acucarEm Mato Grosso do Sul, a área cultivada com cana-de-açúcar está em torno de 136 mil hectares e distribuída em 16 municípios. Com a implantação de novas usinas de açúcar e álcool, estima-se que a área a ser ocupada pela cultura da cana-de-açúcar deva aumentar em cerca de 360 mil hectares. Antes que essa expansão ocorra de forma indiscriminada é fundamental que se considere as exigências da cultura com relação a tipo de solo e, se preciso, proceder sua adequação física e química, uma vez que já se verifica a existência de projetos a serem conduzidos em áreas com os mais diversos tipos de solo e características químicas e físicas.

A cana-de-açúcar possui um sistema radicular diferenciado em relação à exploração das camadas mais profundas do solo quando comparado com o sistema radicular das demais culturas, principalmente as anuais. Por ser uma cultura semiperene e com ciclo de cinco a sete anos, o seu sistema radicular se desenvolve em maior profundidade e assim passa a ter uma estreita relação com pH, saturação por bases, porcentagem de alumínio e teores de cálcio nas camadas mais profundas do solo. E estes fatores, por sua vez, estão correlacionados com a produtividade alcançada principalmente em solos de baixa fertilidade e menor capacidade de reter umidade.

Resultados de pesquisas obtidos nas condições do Estado de São Paulo indicam que, independente da textura, se argilosa ou arenosa, a produtividade decresce dos solos eutróficos, os mais férteis (alta saturação por bases), para os álicos (alta saturação por alumínio), menos férteis.  Como exemplo de extremos de produtividade, temos que em Nitossolo Vermelho eutrófico (Terra Roxa Estruturada) as produtividades têm variado entre 110 e 91 toneladas, enquanto em Neossolo quartzorênico (Areia Quartzosa) estão entre 72 e 64 toneladas de cana-de-açúcar por hectare. Considerando-se somente o tipo de solo, no caso o Latossolo Vermelho, a produtividade também tende a ser função da fertilidade, sendo os eutróficos mais produtivos (94 t ha-1) do que os distróficos (90 t ha-1) ou álicos (87 t ha-1).

Os solos eutróficos são mais produtivos por apresentarem saturação por bases superior a 50% em profundidade, fazendo com que a raiz explore maior volume de solo, possibilitando maior aporte de água. Dessa forma, a absorção de nutrientes é favorecida e a planta passa a suportar veranicos com mais facilidade. Além disso, a elevada saturação por bases favorece a reação desse solo, o que melhora a disponibilidade de nutrientes e permite melhor aproveitamento dos fertilizantes aplicados.

Fica claro que para se obter produtividades satisfatórias, é necessário proceder à recuperação da fertilidade dos solos tanto nas camadas superficiais como também em profundidade, quando estes não apresentarem condições ideais para o cultivo da cana, principalmente quando forem distróficos ou álicos. Para isso, quantidades de corretivos (calcário e gesso) devem ser utilizadas de maneira a atingir tais objetivos e, conseqüentemente, aumentar a produtividade.

Com a melhoria do perfil de solo em relação à fertilidade, observa-se que solos mais arenosos podem atingir produtividades semelhantes a dos argilosos, principalmente quando a textura for arenosa na superfície, e média ou argilosa na subsuperfície (solos podzolizados). Essa característica confere a esse tipo de solo maior capacidade de armazenar água disponível na subsuperfície, que aliada a melhores condições químicas e físicas permite o aproveitamento da água pelas raízes da cana-de-açúcar. Assim, fica patente a necessidade de se corrigir também a subsuperfície dos solos de baixa fertilidade.

Corrigindo-se as limitações químicas, o cultivo da cana-de-açúcar em uma mesma área pode se prolongar por um bom tempo. Resultados obtidos em condições de lavouras no Estado de São Paulo indicam que talhões onde a saturação por bases era baixa, 27%, na camada superficial até 0,20 m, e valores extremamente baixos, inferiores a 10%, na subsuperfície até 1,00 m de profundidade, a produtividade no segundo corte chegou a 70 t ha-1, enquanto nos demais talhões a média foi de 87 t ha-1. Por outro lado, no talhão em que a saturação por bases era elevada, tanto na superfície, com 62%, como na subsuperfície, com valores ao redor de 70% (até a 1,00 m de profundidade), no décimo corte, de uma determinada variedade de cana, a produtividade ainda se mantinha em 62 t ha-1, elevada se considerar o número de cortes.

Portanto, no primeiro caso, tem-se um solo “empobrecido” tanto na superfície como na subsuperfície que não tem suporte para grandes produtividades. A baixa saturação por bases em profundidade restringe o desenvolvimento radicular e, em conseqüência, o volume de solo explorado pelas raízes, o que não ocorre no segundo caso.

Quando se pretende cultivar cana-de-açúcar em áreas ocupadas com pastagem por muitos anos, apresentando indícios de degradação tanto física como química, deve-se promover a recuperação da fertilidade dos solos e de suas propriedades físicas, para a obtenção de rendimentos elevados e manutenção do nível de produtividade ao longo de pelo menos cinco anos.

Nesse sentido, deve-se atentar para o índice de saturação por bases na superfície do solo, que deve se situar entre 40% e 60% e, pelo menos, 40% até os 0,6 m de profundidade.

Caso seja preciso realizar a correção do pH do solo e, conseqüentemente, adequar a saturação por bases, deve-se utilizar calcário, sempre considerando que em solos arenosos, mesmo que o alumínio trocável esteja abaixo do nível tóxico para as plantas, pode ocorrer toxidez, devido à saturação por bases ser muito baixa. A aplicação da quantidade de calcário resultará em maior variação de pH no solo arenoso e com baixa capacidade de troca de cátions (CTC) quando comparado com solos de alta CTC e textura argilosa. A eficiência do calcário depende de sua granulometria e do seu conteúdo de cálcio e magnésio. Quanto mais fino o corretivo mais rápido será o seu efeito na correção da acidez e no fornecimento de cálcio e magnésio e, conseqüentemente, na resposta da cultura. Porém, no caso da cana-de-açúcar, pode-se utilizar calcários que possuem partículas com maior diâmetro, mas sempre dentro de padrões legais, procurando obter efeito residual maior, o que é desejável por ser esta uma planta semiperene.

A calagem pode apresentar efeito positivo, mas também negativo quando provocar desequilíbrio entre os nutrientes, como potássio, manganês, zinco, cobre e boro. Casos estes estejam com teores abaixo do recomendado, deve-se corrigi-los. Normalmente, quando os efeitos da calagem não são os esperados, verifica-se, quase sempre, haver problemas ou na dose utilizada ou na forma de distribuição e na forma e profundidade de incorporação.

Com relação à dose, quando esta for maior que cinco toneladas por hectare, deve-se aplicar metade antes da aração e a outra metade após, incorporando com grade. A fórmula para o cálculo da dose a ser aplicada foi calibrada para incorporações até 0,20 m. Como no caso da cana-de-açúcar, na maioria das vezes, há necessidade de correção a maiores profundidades no perfil, até 0,60 m, é interessante aumentar a dose do corretivo proporcionalmente ao volume de solo explorado.

A distribuição deve ser a mais uniforme possível, uma vez que para ação neutralizadora do calcário ser eficiente, se faz necessário haver o contato entre a partícula do solo e o calcário. A incorporação na profundidade correta é de fundamental importância; quando esta é feita a profundidade menor do que 0,20 m poderá ocorrer a supercalagem nessa camada, chegando, nesses casos, a dobrar a dose de calcário recomendada, o que resulta em sérios desequilíbrios nutricionais com conseqüentes efeitos negativos nas plantas.

O calcário, além de ser um corretivo da acidez do solo, também é fonte de cálcio, nutriente este de fundamental importância para o bom desenvolvimento do sistema radicular das plantas, pois a presença de cálcio na solução do solo é essencial para a formação da parede das células das raízes. O cálcio não se transloca facilmente dentro da planta. Assim a sua deficiência na solução do solo influencia o crescimento das raízes mais novas e em franco desenvolvimento, diminuindo a semipermeabilidade da parede celular, essencial à absorção de nutrientes.

Em pesquisas feitas no Brasil Central, observou-se que após a realização da calagem houve redistribuição do cálcio no solo até 1,10 m de profundidade e que a distribuição das raízes de trigo deu-se em função dos teores de cálcio, tanto no primeiro como após o quarto ano de cultivo.

A calagem apesar de ser procedimento já consagrado e conhecido, requer de quem a executa especial atenção, uma vez que os erros podem ser cumulativos. Assim, se a dose não é correta, a distribuição sobre a superfície do solo é desuniforme e a incorporação é superficial, o problema se agravara de tal forma que o efeito que deveria ser positivo passa a ser prejudicial ao desenvolvimento das plantas.

A estreita relação entre cálcio e sistema radicular observada com o calcário é válida também para o gesso. O uso deste corretivo em solos de textura média e de baixa CTC, na cultura da cana-de-açúcar, após 27 meses da aplicação de 2,8 t ha-1 de gesso, registrou-se a mais alta produtividade de colmo, bem como a distribuição de cálcio e raízes até 1,50 m de profundidade. Quando se avaliou a distribuição das raízes ao longo do perfil do solo, observou-se que esta não seguia o padrão normal, ou seja, presentes na camada de 0 a 0,20 m. Neste caso, na camada superficial (0 a 0,20 m) estavam presentes cerca de 36% de raízes, enquanto na profundidade de 0,26 a 0,75 m havia uma concentração de 45% de raízes e na profundidade de 1,00 a 1,50 m surpreendentemente a quantidade de raízes era de 19%.

Para melhor aproveitamento e conseqüentemente otimização do transporte de nutrientes em profundidades, o gesso deve ser aplicado de três a seis meses após a aplicação do calcário.

Portanto, na implantação da cultura de cana-de-açúcar, fica evidente que se o solo não estiver com as condições químicas adequadas tais como descritas anteriormente, deve-se proceder à correção, sendo que para isso pode-se lançar mão de calcário e/ou gesso.

 

Luiz Alberto Staut É pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária Oeste, Dourados-MS, possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (1982) e mestrado em Agronomia (Produção Vegetal) [Jaboticabal] pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1996).
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