COMO A TECNOLOGIA TRANSFORMA O CANAVIAL

As usinas de açúcar e álcool, como qualquer empreendimento industrial, precisam de licenciamento ambiental para funcionar. Mas a conformidade com as normas ambientais estabelecidas pelo governo brasileiro conta apenas parte dessa história %4 especialmente se o setor quiser conquistar os grandes mercados no exterior. Em 2009, as usinas brasileiras produziram 27,5 bilhões de litros de etanol. Para 2020, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar projeta um volume de 65 bilhões de litros do produto.
O jeito mais fácil de chegar lá seria simplesmente ampliar as áreas destinadas aos canaviais, que hoje ocupam cerca de 8 milhões de hectares. Especialistas afirmam que seria possível fazer isso usando áreas hoje destinadas ao gado ou degradadas. Estimativas apontam que elas podem representar entre 60 milhões e 100 milhões de hectares. Ainda assim, seria necessário brigar com a pecuária extensiva, com a soja e com outras culturas que também tentam se expandir nessas mesmas terras. Por isso, investir na inovação tecnológica parece ser, de longe, o melhor caminho para conquistar os avanços deprodutividade da cana que ajudarão o setora ganhar a musculatura desejada.
Nos últimos dez anos, graças às pesquisas de entidades como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), que é bancado por empresas do setor, a produtividade agrícola dos canaviais brasileiros cresceu cerca de 30% e colhe-se, em média, 70 toneladas por hectare. No estado de São Paulo, a média é de 80 toneladas. Mas há ainda muito espaço para melhorias.
Segundo Tadeu Andrade, diretor de pesquisa e desenvolvimento agrícola do CTC, nos próximos 15 anos o aumento de produtividade da cultura poderá chegar a 40%. “É uma estimative conservadora”, diz ele. “O cálculo está baseado apenas em um incremento médio de 3% ao ano no rendimento das lavouras com o uso do melhoramento genético tradicional”. Embora o CTC use métodos tradicionais para obter a maior parte de seus avanços, desde 2007 ganhos adicionais de produtividade têmsido conquistados com o uso de outras técnicas. Uma delas é a dos marcadores celulares, que permitem encurtar, e muito, o tempo dos programas de melhoramento da cana. No melhoramento tradicional, para encontrar uma variedade desejada, milhares de plantas são cruzadas ao longo de dez a 15 anos. Com o marcador celular, esse período é reduzido para, no máximo, seis anos.
AVANÇOS TECNOLÓGICOS
O objetivo é encontrar variedades de cana mais resistentes a secas ou que tenham altos teores de açúcar. As primeiras variedades comerciais desenvolvidas pelo CTC com o uso de marcadores serão lançadas no mercado em 2017 e prometem aumentar a produtividade media da cultura em até 15%. Na Canavialis, empresa de melhoramento genético comprada em 2008 pela americana Monsanto, o uso de marcadores celulares já rendeu duas novas variedades de cana.
Elas estão sendo usadas por produtores que participaram do desenvolvimento das mudas e oferecem duas vantagens: mais açúcar e ciclo precoce %4 o que permite a colheita num período menor de tempo. “Esperamos que a produtividade média das variedades obtidas por melhoramento com marcadores cresça anualmente o dobro ou o triplo do rendimento das convencionais”, afirma Ivo Fouto, diretor-geral da Canavialis. Se Fouto estiver certo, o Brasil sairá ganhando e as florestas, também.
Outro impacto que deve ser sentido é o dos órgãos ambientais. O interesse de ONGs e entidades como o Ministério Público vem aumentando à medida que o setor cresce e se expõe. Hoje, para funcionar sem entraves, a maioria das usinas tem de seguir à risca uma série de normas. Entre as mais rotineiras está o monitoramento da qualidade da água dos rios e do uso da vinhaça, principal resíduo da fabricação do etanol, que pode ser reaproveitado como fertilizante nos canaviais, mas deve ser usado com moderação para não contaminar rios ou lençóis freáticos. E vem crescendo a obrigatoriedade de adoção de práticas mais complexas, como o rastreamento de fornecedores e o controle da fauna existente na área. As usinas também estão sendo pressionadas a racionalizar o uso de recursos naturais.
Desde o final de 2008, quando o governo do estado de São Paulo aprovou o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar %4 um conjunto de regras para direcionar o crescimento da cultura %4, em algumas regiões o limite de consumo de água pelas usinas passou a ser de 700 litros por tonelada de cana produzida. Há cerca de dez anos, muitas consumiam, em média, 10 000 litros de água por tonelada. Se as regras já são muitas, com a exposição do etanol ao mercado externo a tendência de que as condicionantes ambientais cresçam é inexorável. “Daqui para a frente, muitas usinas terão de se adequar a padrões aos quais elas simplesmente não estão acostumadas”, diz o engenheiro agrônomo André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone).
Isso explica por que nunca se falou tanto sobre a necessidade da criação de um selo de qualidade para o etanol brasileiro. Uma das demandas dos compradores do produto, sobretudo os estrangeiros, é ter a certeza de que o biocombustível brasileiro não foi produzido à custa do desmatamento de florestas ou do trabalho escravo. Durante muito tempo, o governo e o setor privado insistiram na ideia de que esse selo deveria nascer em solo nacional. Hoje, porém, sabe-se que essa não é uma estratégia inteligente. “Um selo feito aqui nunca teria a mesma credibilidade que uma certificação elaborada lá fora com a participação de países e ONGs de todo o mundo”, diz Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar.
No ano passado, o sistema Rede de Agricultura Sustentável (RAS), que já define critérios de certificação para produtos agrícolas como café e cacau, lançou sua versão para as usinas de açúcar e álcool. Uma empresa brasileira está em via de ser certificada, mas por enquanto não recebeu o selo. Para quem almeja oferecer uma alternativa sustentável ao petróleo e a seus derivados, ainda é pouco (Portal Exane, 25/3/10)