Selo da cana

29/03/10 – Um projeto está mudando a rotina em fazendas de cana-de-açúcar de São Paulo. Com medidas de proteção ao ambiente e melhoria das condições de trabalho, usineiros e produtores procuram abrir portas no mercado internacional.
Em todo o país, são sete milhões de hectares cobertos pela cana-de-açúcar, que este ano devem render quase 700 milhões de toneladas.
O Brasil é o maior produtor mundial de cana e mais da metade da área plantada se concentra em São Paulo. No Estado, é comum encontrar municípios como Bariri, a 300 quilômetros da capital, onde os canaviais encostam na área urbana. Com 30 mil habitantes, Bariri é uma cidade tranquila. Lá está começando uma experiência pioneira.
Para conhecer a novidade, visitamos a propriedade de 67 hectares dos irmãos João e Luiz Ticianelli. Antes de plantar cana, o seu João e o seu Luiz viviam da criação de gado. Atualmente, eles mantêm apenas 30% do rebanho. O pasto chegava até próximo ao córrego.
No lugar, sempre teve fartura de água. Mas de uns tempos para cá, a situação mudou. “Ela veio diminuindo. Depois, tem duas nascente aí em cima, duas minas grandes e uma secou. E foi aí que até o vizinho precisou vir buscar água na minha propriedade. Não tinha nem água para os bois dele. Uns falam que a água está acabando por consequência do próprio decorrer do tempo, porque estão secando os poços. Então, vieram uns técnicos da Esalq e disseram que se arborizar, futuramente ela volta ao normal. Então foi que levou a gente a se reunir e fechar”, explica o agricultor João Ticianelli.
Isso aconteceu há quatro anos. O seu João e o seu Luiz cercaram o riacho e começaram a plantar árvores nativas em volta. Eles mal sabiam, mas estavam dando o primeiro passo rumo a um projeto de certificação sócio-ambiental do canavial, já que essa é uma das normas.
Para conseguir a certificação é preciso seguir um protocolo que prevê uma série de exigências elaboradas pelo órgão credenciado. O selo da cana chegou a Bariri através da OIA, Organização Internacional Agropecuária, uma empresa privada que certifica vários produtos, inclusive orgânicos. Foi contratada pela Assobari, a associação dos produtores.
O auditor Edegar de Oliveira da OIA e agrônomo Reinaldo Schiavon, da Associação de Produtores de Bariri, fazem a última visita à fazenda para verificar se os irmãos Ticianelli podem receber o selo.
A primeira vistoria aconteceu há um ano. Por causa do protocolo, a propriedade tem hoje uma reserva legal e uma APP, Área de Preservação Permanente, num total de 4,5 hectares.
A cana ocupa 45 hectares. O uso correto dos agrotóxicos é outra preocupação. Como não havia na fazenda um depósito adequado para guardar o agrotóxico, foi preciso construir um quartinho. Para entrar nele, o seu Luiz veste calça, botas, óculos, tudo apropriado. É o EPI, Equipamento de Proteção Individual. “Antes a gente lidava com o agrotóxico sem nenhuma proteção”, disse.
A documentação da fazenda também tem que estar em dia. Os documentos vão desde o mapeamento da propriedade e comprovantes das benfeitorias até o rastreamento da produção.
O seu João e o seu Luiz já estão prontos para receber o certificado? “Quase prontos. Eles já cumpriram com 99% do protocolo. Está sendo deixado para eles um relatório onde consta as não conformidades da propriedade. Com base nisso, eles tem que corrigir para então serem certificados. Eu acredito que eles vão conseguir essa certificação”, afirma o agrônomo Edegar de Oliveira.
Saímos da propriedade dos Ticianelli para acompanhar a colheita em uma área de usina, que também participa do projeto. As mudanças exigidas pela certificação não ficam só no manejo dos canaviais.
O protocolo também estabelece 40 normas de relações de trabalho. São itens de segurança, de bem-estar do trabalhador. Olhando a colheita, a gente se pergunta: como as pessoas fazem para se alimentar, usar o banheiro ou simplesmente tomar um copo de água no meio do expediente?
Primeira exigência: é obrigatório ter banheiro a menos de 500 metros do local da colheita, com sabão e papel higiênico. A empresa resolveu o problema instalando banheiros dentro de um ônibus, que acompanha os cortadores em todos os canaviais.
Os cortadores de cana também devem dispor de água potável à vontade e de um refeitório com toldo, mesas e cadeiras.
Os trabalhadores têm pausas para descanso durante a jornada. “Agora já tem meia hora de almoço. Tem meio-dia, 11h tem dez minutos. Às 15h tem uns minutos também. Então, facilitou muito o trabalho da gente porque o corte da cana é meio forçado, pesado. Agora dá para ir”, conta o trabalhador rural, Manoel Pereira.
“Antes a gente trabalhava mais. Hoje, não. Você tem que vir ao ônibus, almoçar aqui na área da convivência, então tudo isso é muito importante. Você para, descansa”, afirma a trabalhadora rural, Marta dos Santos.
Outra exigência é a adesão ao programa de redução da queima da cana. Nas partes mecanizáveis, já em 2010, só será permitido queimar 30% da área. Até 2014, a eliminação total da queima. Nas partes não mecanizáveis, eliminação total em 2017.
Para conseguir a certificação, a usina também teve que instalar torres de resfriamento de água e conseguiu diminuir em 50% a captação dessa água, que vem do açude.
Passou a utilizar toda a vinhaça, resíduo produzido depois da destilação do álcool, como ferti-irrigação. A vinhaça, rica em minerais, é jogada em tanques e bombeada por canos subterrâneos até o canavial. Com isso, evita-se que o líquido contamine os rios e a vida aquática.
Nesta safra, a previsão é que a usina produza 93 milhões de litros de álcool, com 25 milhões certificados. Mas, por enquanto, ninguém vai receber mais por isso: nem o produtor nem o trabalhador da colheita nem a usina. Então, qual a vantagem?
“Muitos países existe até um preconceito do produto brasileiro, achando que está comprando um produto que degrada o meio ambiente quanto não é verdade. Eu entendo que novos mercados poderão surgir e despertar o interesse para esse produto, por saber que é bem diferente daquilo que eles estão pensando e daquilo que o próprio consumidor está imaginando”.
A iniciativa pioneira de Bariri é muito mais que uma aposta, revela uma visão do futuro. Quando cuidar do meio ambiente e das relações de trabalho será condição fundamental para qualquer negócio tanto no mercado internacional quanto no Brasil.
Trinta e nove propriedades de cana-de-açúcar já conquistaram este tipo de certificação socioambiental. Outras 70 fazendas estão em fase de implementação do programa. Todas ficam no estado de São Paulo.

28/03/10
Fonte: Globo Rural – Rede Globo

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