EUA cancelam créditos à exportação para cumprir etapa de acordo do algodão
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) informou que a partir das 23h59 de hoje cancelará todas as garantias de crédito à exportação agrícola que não foram utilizadas, para reintroduzi-las depois com taxas de juros diferentes, ou seja, menos generosas para os exportadores americanos. A medida atende ao compromisso que Washington assumiu com o Brasil para evitar retaliação de US$ 820 milhões no contencioso do algodão.
O programa é conhecido como GSM-102 e a Organização Mundial do Comércio (OMC) indicou que se trata em parte de subsídios disfarçados e portanto ilegais à exportação de várias commodities agrícolas, como soja, milho, arroz, algodão e outros oleaginosos. Seu orçamento é de US$ 5,5 bilhões neste ano. Desse montante, US$ 2,7 bilhões já foram anunciados, mas uma parte, de US$ 750 milhões, não foi utilizada ainda para garantir os créditos de exportadores.
Esses US$ 750 milhões é que serão cancelados agora e para usá-los os exportadores vão pagar uma taxa mais elevada. As condições da garantia de crédito serão anunciadas em breve, segundo os americanos.
Restam US$ 2,8 bilhões, não comprometidos até agora, para Washington continuar dando garantias de crédito à exportação agrícola até setembro. E as condições para esse montante deverão fazer parte da segunda rodada de negociações com o Brasil. Haverá uma série de reuniões bilaterais. Não será surpresa se a primeira ocorrer em Genebra.
Um dos compromissos dos EUA com o Brasil foi de fazer mudanças de curto prazo nas operações do programa de garantia de crédito à exportação, para torná-lo legal perante a Organização Mundial do Comércio (OMC). Mudanças mais profundas no programa ficarão para mais tarde, por iniciativas no Congresso.
Para torná-lo legal, os EUA vão discutir com o Brasil nas próximas semanas, o que poderá incluir na primeira etapa questões de prazos, prêmio do seguro e cronograma do desembolso. “Sempre será um programa oficial e portanto um benefício do exportador americano, mas o custo da garantia cobrada pelo governo dos EUA terá de ser o de mercado ou algo que se aproxime a isso”, afirma o especialista Pedro de Camargo Neto, na origem da disputa do algodão.
Para Camargo Neto, o Brasil precisa desenvolver seu próprio programa GSM para as exportações brasileiras. “Os EUA são o maior concorrente do Brasil nas exportações agrícolas. Perderam agora uma vantagem. Em termos econômicos não é muita coisa. A agricultura americana aguenta, com certeza. É, porém, uma vitória política muito importante. Vão alterar um programa agrícola em função da OMC e sem passar pelo Congresso.”
Quanto aos subsídios que causam dano (pagamentos contracíclicos e” marketing loan”), as alterações ficaram para 2012. Daí a compensação pelo fundo de US$ 147 milhões anuais para o Brasil, até sua mudança, garantindo também holofote para a questão.
Certos negociadores africanos também consideram positivo o acordo entre os EUA e o Brasil, estimando que a pressão será mantida contra Washington para desmantelar seus subsídios agrícolas ilegais. Os africanos tomaram outro rumo que o Brasil, considerando que sua fragilidade não permitia se juntar numa disputa contra Washington. O resultado é que até agora os africanos não ganharam nada, ou, por outro lado, vão ganhar por tabela agora, graças ao que os EUA estão sendo obrigados a alterar.
“Em 2012, quando a lei agrícola americana (a Farm Bill) for renovada e os EUA estiverem em brutal crise orçamentária, ou enquadram o algodão ou mantêm os pagamentos para o fundo. Será muita pressão”, avalia Camargo Neto (Valor, 8/4/10)