Expansão da bioeletricidade mostra potencial do setor sucroenergético -Zilmar José de Souza

A performance da bioeletricidade, ao longo de 2009, chama a atenção e mostra o vigor dessa fonte, mesmo com as “intempéries” observadas por toda a cadeia produtiva do setor sucroenergético no ano passado. Dados preliminares do Ministério de Minas e Energia apontam para uma exportação de bioeletricidade da ordem de 5.872GWh em 2009, um valor 33% superior ao de 2008, 4.409GWh.
Em termos de número de usinas exportando bioeletricidade, o crescimento foi superior a 10%, passando de 88 unidades para 100 unidades conectadas ao Sistema Interligado Nacional, comercializando uma energia renovável e de reconhecida qualidade. A bioeletricidade exportada ao longo de 2009, por essa centena de unidades, representou mais de 6% da energia produzida pela usina de Itaipu ou foi equivalente a duas vezes a produção anual da Usina Três Irmãos da Cesp (Companhia Energética de São Paulo).
Quando se observa a capacidade instalada, a bioeletricidade também apresentou um desempenho digno de nota: essa fonte acrescentou 1.112 MW de potência instalada nova em 2009, superando todas as demais fontes, incluindo as grandes hidrelétricas e as térmicas convencionais. Somente a bioeletricidade representou 31% da capacidade instalada nova no país em 2009, significando acrescentar, em apenas um ano, o equivalente a 8% da potência total de Itaipu ou 10% do aproveitamento de Belo Monte, que deve ser responsável pela inundação de uma área prevista de 500 quilômetros quadrados.
Por outro lado, apesar dessa performance, os dados futuros de capacidade instalada nova a ser agregada anualmente pelas usinas a biomassa causam preocupação: de 1.112MW em 2009 passaremos para apenas 484MW em 2013, representando uma queda de 56% no período. Enquanto isso, as térmicas convencionais saem de um patamar de 1.111MW em 2009 para agregarem, apenas em 2013, um total de 5.304MW de capacidade instalada nova.
As recentes declarações do Ministério de Minas e Energia e da Empresa de Pesquisa Energética, sobre o próximo Plano Decenal parecem demonstrar que se deseja reverter, ou pelo menos mitigar, o efeito indesejável sobre a sustentabilidade da matriz energética que a entrada maciça de fontes não-renováveis pode causar. Nesta linha, importante diretriz adotada pelo MME foi a decisão de promover um leilão de energia de reserva para as fontes alternativas, ainda neste semestre, para contratar energia a partir de 2013. Ainda que a formatação do certame não seja a adequada, pois é importante que a contratação ocorra por fonte (devido às especificidades da biomassa, eólica e PCHs), a retoma de leilões dedicados é importante diretriz para início da correção de percurso no planejamento energético.
A diferença entre decisão política e política setorial está ligada principalmente à forma de planejamento, implementação e de continuidade. Enquanto a primeira é pontual, muitas vezes extemporânea e sem metas predefinidas, a política setorial exige a consolidação das decisões políticas sob metas claramente predefinidas, além de continuidade e planejamento na condução das ações para atingir tais metas.
Nesse contexto, acredita-se que a realização de certames regulares para fontes alternativas, específicos por fonte, seja apenas uma ação dentro de uma nascente política setorial consolidada para as fontes alternativas. Seguramente, o sucesso na perenidade da inserção das fontes alternativas na matriz energética passa necessariamente tanto pela regularidade de leilões que contemplem suas especificidades, mas também é condição imprescindível a definição de patamares de preço no Ambiente de Contratação Regulada capazes de remunerar os investimentos.
A política setorial a ser delineada também passa pelas condições de entorno do leilão, como diretrizes para o financiamento, o tratamento fiscal a ser dado para a cadeia produtiva, além de discutir os critérios quanto ao encargo de conexão, gargalo histórico para as fontes alternativas. Oportunidades nós temos para desenhar uma política setorial suficiente para “destravar” a inserção das fontes renováveis e alternativas na matriz de energia elétrica e representar um benchmark mundial em termos de política setorial para essas fontes.
São reconhecidas as qualidades intrínsecas da bioeletricidade sucroenergética: fonte renovável, contra-sazonal à fonte hidráulica, contribui com a matriz energética limpa e de baixo carbono, proporciona economias na estrutura de transporte e confiabilidade na segurança do suprimento, significam projetos de rápida implantação, entre outras. Para a Unica, a bioeletricidade sozinha tem potencial suficiente para representar 14% da matriz energética em apenas dez anos (safra 2020/21), ainda mais agora quando o setor sucroenergético mostra-se sólido, caminhando para um setor consolidado, com mais estrutura de capital e “musculatura” para retomar, ou melhor, continuar com vigor investimentos em bioeletricidade. Todavia, para se chegar aos 14% de representatividade na matriz, precisamos que essa meta seja parte tanto de uma política setorial privada quanto de uma política setorial pública, envolvendo todos os agentes do espaço social e contribuindo para a sustentabilidade da matriz energética brasileira (Zilmar José de Souza é assessor de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) e professor da Faculdade Getúlio Vargas (FGV/SP); Jornal da Energia, 13/4/10).