Tombo do açúcar instiga onda de renegociações de contratos

Só no mercado doméstico, volume foi de 10% das exportações.
Com a queda abrupta dos preços do açúcar dos níveis de 26 a 30 centavos para patamares entre 16 e 17 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York, vendedores brasileiros tiveram que ceder à pressão e sentar-se à mesa com importadores para rever preços. Fontes do mercado estimam que somente com importadores indianos, essa renegociação envolveu 200 mil toneladas de açúcar branco e mais 100 mil toneladas do tipo VHP (bruto). Foram compradores que se negaram a cumprir contratos a preços altos enquanto as cotações derretiam.
Além do mercado externo, houve renegociações feitas internamente, entre tradings e usinas, que atingiram um volume ainda maior, de mais de 2 milhões de toneladas (10% das exportações), segundo Arnaldo Luiz Corrêa, da Archer Consulting. “Estamos falando do maior volume já renegociado em uma única safra”.
A renegociação de acordos, segundo ele, é normal em toda o ano, mas em volumes “razoáveis” que variam entre 200 mil e 300 mil toneladas por temporada – considerando mercados interno e externo. Mas as fortes chuvas na moagem do Centro-Sul, que impediram muitas usinas de produzirem todo o açúcar que já tinham vendido antecipadamente, fizeram com que a entrega fosse postergada para a próxima temporada, a partir de julho deste ano, quando as telas de Nova York estavam invertidas, ou seja, com preços futuros mais baixos do que os atuais naquele momento (no último trimestre de 2009). Assim, as tradings não aceitavam pagar o valor mais alto, se a entrega ia ser feita mais à frente, com preços menores. A estimativa é de que o deságio médio dessas renegociações tenha sido da ordem de 20%.
E ainda há muita água para rolar debaixo dessa ponte. Isso porque a recuperação da atual safra indiana, que termina em setembro deste ano, está de fato ocorrendo o que põem em xeque a real necessidade de o país asiático performar justamente parte desses contratos cuja entrega foi postergada para julho. Fontes do mercado indiano estimam que esse volume fique entre 500 mil toneladas e 800 mil toneladas.
“Ainda não há cartas de crédito abertas ao importador indiano para realizar esse volume. Além disso, com uma produção doméstica de 18 milhões de toneladas, fica difícil pensar em mais importações”, diz uma das fontes atuantes na Índia.
A produção do país asiático na atual safra antes previstas em 14,5 milhões de toneladas, avançou com a melhora no clima e deve ser superior a 18 milhões de toneladas, segundo estima o trader de uma das principais empresas exportadoras mundiais de açúcar. “Estamos falando de uma mudança que adiciona 3,5 milhões de toneladas. Antes disso, a Índia previa importar 7 milhões de toneladas, já recebeu metade e agora não precisa mais completar o volume porque já há produção interna”, acrescenta o trader. Além disso, diz a fonte, a Europa colocou em dois meses outras 500 mil toneladas da commodity no mercado.
Um outro executivo indiano, que também preferiu não se identificar, reforça a tese de que há uma “alta probabilidade” de essas 500 mil a 800 mil toneladas que foram renegociadas para julho não serem cumpridas. “Além da maior oferta na Índia, há uma pressão por baixa nos preços do açúcar, uma vez que os internos recuaram nas últimas semanas no país asiático de 42 rúpias [R$ 1,66] por quilo para 29 rúpias [R$ 1,15], quase 31% de queda”, diz.
Dentro desse ambiente de “renegociação”, é consenso de que há uma parcela ainda não estimada de cancelamento de contratos, em muitos casos envolvendo cargas que já tinham sido embarcadas ao país de destino. “Infelizmente, fica, portanto, inviável para as tradings redirecionarem essas cargas ao mercado interno, que está escasso de açúcar branco, com estoques de passagem próximos de zero”, afirma o trader.
Ele complementa, ainda, que a maior parte dos contratos com problemas é de açúcar branco (ensacado), porque são comprados, muitas vezes, por agentes não tradicionais do mercado, que não se afetam muito com perda de credibilidade. A Índia foi em 2009 o maior importador de açúcar do Brasil, com 17% do todo o volume total exportado (Valor, 15/4/10)