AÇÚCAR: EM MENOS DE DOIS MESES, QUEDA É DE QUASE 40%, MAS USINAS AINDA ESTÃO NO LUCRO

A brusca mudança de direção das cotações internacionais do açúcar, que em menos de dois meses já caíram quase 40%, reaqueceu as discussões em torno dos riscos inerentes ao forte aumento da carga especulativa nos mercados de commodities agrícolas a partir do fim de 2006.
Ao mesmo tempo em que ajudou a catapultar os preços do produto ao maior patamar em três décadas na bolsa de Nova York, uma bênção para exportadores mas um problema para consumidores, a redução das apostas de grandes fundos de investimentos nessa frente é agora apontada como protagonista de uma sangria que ainda poderá se tornar mais aguda no curto prazo – um alento contra a agroinflação, mas uma ameaça aos negócios.
“Quando a mudança de direção dos preços é muito rápida, normalmente fica claro que o mercado em questão está sob forte ataque especulativo. É o caso do açúcar, que tem bastante liquidez. A verdade é que a especulação deixou de ser um fator de ajuste, como era no passado, e tornou-se um fim em si mesma, conferindo uma volatilidade brutal aos mercados”, afirma o economista Fabio Silveira, da RC Consultores, para quem o café poderá ser uma das próximas “vítimas” desses movimentos.
O esvaziamento das apostas dos fundos no açúcar e em outras commodities – na bolsa de Chicago as posições líquidas dos fundos na soja também despencaram – está relacionado à necessidade dos fundos de cobrirem posições em outras aplicações, em parte por causa das turbulências europeias, num momento de elevação sazonal da oferta global graças à entrada no mercado da nova safra brasileira de cana.
É óbvio que ninguém duvidava que a elevação da oferta no Brasil exerceria pressão “baixista” sobre as cotações do açúcar, mas para muitos o fator estava “precificado” bem antes do nível atual de preços ser atingido, e qualquer tombo maior poderia ser evitado pela ainda escassa oferta da Índia, que passou de grande exportadora global a importadora de peso na última safra. Afinal, foi o “fator Índia” que alimentou apostas e investimentos no produto e abriu as portas para as máximas.
O açúcar alcançou o maior patamar em quase 30 anos em Nova York em 29 de janeiro. Houve papéis que superaram a barreira de 30 centavos de dólar por libra-peso, mas os contratos futuros de segunda posição de entrega, que normalmente têm maior liquidez, fecharam na ocasião a 28,60 centavos, acumulando uma impressionante valorização de 224,6% em relação ao pregão de 13 de junho de 2007, piso desde então. Mas também impressionante foi a vertiginosa baixa de 42,5% entre 29 de janeiro e a última terça-feira.
Recente análise de Arnaldo Luiz Corrêa, da Archer Consulting, sobre o que se passou após os picos do fim de janeiro ilumina a lógica que acelerou a liquidação especulativa que colaborou para o tombo.
“Os especuladores compravam as calls [opções de compra] financiando a operação com a venda das puts [opções de venda]. Se o mercado continuasse a subir, os especuladores ganhariam com a valorização das calls compradas, enquanto as puts vendidas perderiam seu valor. Quando o mercado despencou, o especulador se viu com o risco de ser exercido na put vendida – isto é, ficar comprado num mercado em queda acelerada. Para estancar ou limitar esse prejuízo iminente ele vendeu futuros. Ao fazê-lo, empurrou as cotações mais para baixo, numa bola de neve”.
O mergulho passou por cima da desvalorização do dólar diante de outras moedas, o que é um fator de sustentação para as commodities. Em relação ao euro, a moeda americana caiu 4% no intervalo, conforme o Valor Data, e a queda na comparação com o real foi de 4,5%. O exportador brasileiro, portanto, sofreu nas duas frentes: o preço da commodity recuou e o câmbio tornou-se menos atraente. Ontem, por sinal, os preços “desafiaram” a valorização do dólar e subiram em Nova York, mas muito influenciados por realizações de lucros diante de tanta erosão.
Para Julio Maria Borges, da Job Economia e Planejamento, ameaças reais à rentabilidade da atividade para as usinas brasileiras só virão com novas quedas. Por enquanto, diz, o assunto é se o lucro será maior ou menor. “Os níveis atuais de preço são satisfatórios. Não se fala em prejuízo”, afirma. Tanto que importadores, inclusive da Índia, que chegaram a cancelar encomendas com as cotações nas alturas, ainda mantêm a cautela para comprar. E Borges estima que pelo menos 50% da produção de açúcar do país na safra 2010/11, estimada entre 35 milhões e 38 milhões de toneladas, já esteja “fixada” a preços superiores dos atuais. “A maior parte das fixações está entre 20 e 28 centavos de dólar por libra-peso”, afirma o analista.
Apesar de a maior parte das projeções indicarem que a correção ocorrida no açúcar foi exagerada e, levando-se em conta que o futuro da demanda internacional e do clima no Brasil certamente influenciarão o rumo das apostas especulativas, a forte instabilidade das cotações mostra que o mix de produção da próxima safra de cana do Brasil ainda não está definido. “Mesmo o álcool, cujos preços também passaram por correção técnica, não está trazendo prejuízo às usinas. Como ele já está competitivo nas bombas, o consumo deve ser retomado, pondo fim à queda dos preços”, diz Borges (Valor, 25/3/10)