DESCONCENTRAÇÃO ESPACIAL DA AGRICULTURA BRASILEIRA- RENATO A. PONTES CUNHA

O Nordeste tem terras com aptidão agrícola e vocação a ser desenvolvida.
Novo governo não deve se limitar a um modelo de agricultura baseado nas fronteiras que já estão consolidadas
O Brasil é um país notável, ainda com um futuro bastante alvissareiro, principalmente para aqueles que acreditam em sua interiorização, fenômeno que pode ser induzido com um maior foco na atividade agrícola mais planejada.
O agronegócio é grande indutor do desenvolvimento, sendo responsável por mais de 35% dos empregos nacionais, em torno (PIB) de 34% do Produto Interno Bruto e por cerca de 46% das exportações em 2009, capitaneadas pelos complexos da soja, carnes e sucroenergético com 15%.
O saldo do superávit do agronegócio brasileiro é então, superior em 123% ao saldo da balança comercial brasileira.
O país é assim, um celeiro de grãos, carnes, laranjas, etanol, açúcar, café e várias commodities, gerando empregos difusos em um consistente e variado cluster de agronegócio, embora fortemente concentrado no Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Vejamos o exemplo do feijão, base da alimentação nacional: a concentração no Centro-Sul é inequívoca quanto aos números de produção. Estados como Paraná e Minas Gerais respondem por mais de 37% da produção, com índices de produtividade superiores em quase 100% aos que são obtidos no Nordeste. A produção nacional é de mais de 3 milhões de toneladas por safra, com consumo per capita em torno dos 16 quilos por habitante por ano.
Os cerrados nordestinos, majoritariamente localizados na região de Balsas, no sul do Maranhão, e Uruçui-Gurguéia no Piauí, com até cerca de 21 milhões de hectares de potencial, além das cadeias produtivas consolidadas em várias outras regiões, como Irecê, na Bahia, precisam sofrer, via políticas públicas, um vigoroso choque de planejamento, a fim de crescerem de patamar, com vistas a um desenvolvimento com longevidade e rentabilidade, dentro dos padrões de sustentabilidade socioambientais que são requeridos nesse terceiro milênio.
Vale lembrar que o cerrado do Brasil central, sobretudo por causa da Embrapa, deslanchou como fronteira agrícola apenas a partir dos anos oitenta, do século passado (cerca de 30 anos atrás).
Acertadamente, foram feitas pesquisas e a continuidade de políticas agrícolas para o milho, arroz, feijão, soja etc, nas “savanas brasileiras”, antes apenas caracterizadas, sobretudo, por abandono e improdutividade.
Ocorre que as culturas do cerrado, repousam até hoje em certos incentivos e subvenções, tais como aquisições e empréstimos do governo federal (AGF e EGF) e, sobretudo o prêmio equalizador pago ao produtor (Pepro), que são necessários, mas que não podem funcionar privilegiando a lógica de transferências, com fretes subsidiados para mercados consumidores, em detrimento do crescimento da agricultura desses destinos, em outros estados do país, como é o caso daqueles da região Nordeste. São mercados que poderiam também produzir localmente, gerando emprego e renda mais desconcentrados. O Pepro destinou cerca de R$ 802 milhões por ano, em média, para produtores do Centro-Oeste, notadamente no triênio 2006, 2007 e 2008, onde inclusive predominam lavouras mecanizadas.
Essa reorganização de produção é também de concepção mercadológica e torna-se imprescindível ao desenvolvimento de uma agricultura não importadora. É a tentativa de efetuar um crescimento agrícola menos heterogêneo nas diversas regiões, respeitando-se zoneamentos agro-ecológicos, mas objetivando resultados em escala, de forma, inclusive, mais desconcentrada.
Sabemos que o Nordeste tem a segunda maior população do país, se constituindo em mercado de consumo com mais de 53 milhões de pessoas, o que acarreta necessidade de segurança alimentar, fator que se associa ao perfil de crescimento de consumo da região. Nossa região tem vocação agrícola, com terras com aptidão agrícola, e, assim deve criar auto-sustentabilidade em alimentos e agroenergia.
O cultivo da cana-de-açúcar pode crescer em novas fronteiras, além do litoral nordestino, assim como os biocombustíveis oriundos de óleos vegetais. A agroenergia dispõe de um forte mercado em veículos leves e será sucedânea ou parceira em misturas ao diesel convencional, que necessita diminuir seus atuais níveis de enxofre. A demanda pelo diesel no nosso país é de mais de 40 bilhões de litros por ano, representando um mercado considerável.
Atualmente, importamos milho, arroz, trigo, café etc. no Nordeste , só para exemplificarmos algumas vulnerabilidades. Na realidade, o governo federal que vier a se instalar a partir de 2011, não poderá se restringir mais a apenas manter um modelo de agricultura centralizado em fronteiras que já estão consolidadas. Deve ampliar o espectro, investindo em agricultura, agroenergia, pecuária e pesca em novas regiões onde existam mercados e necessidade real de maior inclusão social (Renato A. Pontes Cunha é presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool no Estado de Pernambuco (Sindacúcar/PE); Valor Econômico, 30/3/10)