PESQUISADORES APONTAM MALES DA QUEIMA DE CANA DE AÇÚCAR À SAÚDE RESPIRATÓRIA

sonora-ms-queimada-cana1O Brasil é hoje o maior produtor de cana de açúcar mundial. Matéria prima para a produção de açúcar e também de álcool etílico, a cana está presente em cerca de 5 milhões de hectares. Boa parte desta área é queimada nos seis meses de pré-colheita, enviando para a atmosfera inúmeras partículas e gases poluentes, que prejudicam não apenas os trabalhadores destas plantações, mas também toda a população residente nestas áreas.
“O material particulado fino causa irritação das vias aéreas mesmo em indivíduos saudáveis. No entanto, o efeito deletério se manifesta amplamente nos portadores de alguma doença respiratória, como asma, DPOC, bronquectasias e sequelas pulmonares”, comenta a dra. Márcia Diniz, pneumologista e secretária da sub-sede Campinas da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT).
Nestes indivíduos, a inflamação das vias aéreas, iniciada pelo contato com a poluição da queimada, desencadeia a ocorrência de broncoespasmo, produção de muco, chiado, tosse, catarro e/ou falta de ar, em graus variáveis.
Existem diversas pesquisas no estado de São Paulo que comprovam o aumento de incidência de doenças respiratórias em várias cidades durante o período de queima de cana. Pesquisadores do Laboratório de Poluição Ambiental da USP, como o dr. José Eduardo Delfini Cançado, da SPPT, demonstraram, em um grande estudo feito na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo, que a poluição específica da queima de palha de cana estava associada ao aumento de internações de crianças e idosos por doenças respiratórias.
Outro pesquisador deste grupo, dr. Marcos Arbex, ex-presidente da SPPT Regional Araraquara, comprovou que a poluição pela queimada está relacionada com o aumento da prescrição médica de inalação para tratamento de doenças respiratórias na região. Mostrou, ainda, que o material particulado inalado pode levar a crises hipertensivas, aumentando os atendimentos em serviços de emergência.
“Em Santa Bárbara d´Oeste, um estudo sobre o impacto da poluição em relação ao número de inalações realizadas no Pronto Socorro da cidade comprovou aumento significativo. Outra pesquisa, sobre a flora fúngica da cidade, verificou redução da biodiversidade de fungos nestas regiões. Isso demonstra que a produção do material particulado influencia também a biosfera local”, comenta dra. Márcia.
TRABALHADORES E LEGISLAÇÃO
A legislação atual ainda permite a queimada, mas com restrições de horários e distância das cidades. Fica proibida, por exemplo, quando o nível de umidade relativa do ar fica abaixo de 30%.
Os trabalhadores das usinas de várias regiões já recebem orientações para que a cana seja queimada apenas em determinados horários do dia, conforme condições meteorológicas, e com uma equipe especializada na queima. No entanto, a médica adverte que estas medidas apenas minimizam os efeitos, uma vez que a exposição ainda é muito grande.
“A alternativa para evitar este transtorno seria a coleta mecanizada, sem a realização da queima da palha. Existe uma legislação de que a queimada seja totalmente proibida nas áreas de coleta mecanizável, mas somente a partir de 2021. Nas áreas não mecanizáveis, a queima controlada poderá se estender ainda por mais tempo. É claro que a lei poderá ser mudada, de acordo com a existência de evidências de prejuízo à saúde, e também por pressão da população” (Assessoria de Comunicação, 1/4/10)
No MS, em três anos 270 mil hectares viram carvão
Valor equivale a duas vezes o território da cidade de SP em matas do Pantanal. Estimativa foi feita pelo Ibama; para ambientalista, produção de carvão vegetal na região serve para bancar a abertura de mais pastos.
A produção de carvão vegetal para a indústria siderúrgica fez desaparecer nos últimos três anos cerca de 270 mil hectares de matas nativas do Pantanal de Mato Grosso do Sul, o que equivale a duas vezes o território da cidade de São Paulo.
A estimativa foi feita pelo Ibama no Estado e levou em conta a demanda utilizada pelas indústrias no período e as informações sobre movimentação de cargas contidas nas guias do DOF (Documento de Origem Florestal).
“O avanço das carvoarias sobre as matas nativas, legalmente ou não, é uma séria ameaça à sobrevivência do Pantanal”, afirma o superintendente do Ibama-MS, David Lourenço.
Entre 2007 e 2009, segundo o Ibama, Mato Grosso do Sul movimentou 8,6 milhões de metros cúbicos de carvão vegetal -a conta inclui o carvão importado do Paraguai. O auge foi o ano de 2007, com 4,5 milhões de metros cúbicos.
Em 2009, diz o Ibama, houve queda significativa na produção: 1,2 milhão de metros cúbicos. O órgão atribui o resultado à crise internacional e ao aumento na fiscalização.
No período, diz Lourenço, a produção derivada de florestas plantadas representou “praticamente nada” em relação à demanda da indústria. “Do produzido, 99% se dá por meio de lenha de floresta nativa. Não temos dúvida em relação a isso.”
Cada 80 metros cúbicos de lenha nativa rende, em média, 40 metros de carvão. A maior parte dessa madeira é retirada da região do planalto pantaneiro, afirma o superintendente.
“Antes a produção se concentrava no oeste do Estado. Mas o enfraquecimento gradativo do cerrado por lá levou a uma migração para o planalto pantaneiro, onde temos 47% de matas nativas preservadas.”
Para Luiz Benatti, chefe de proteção ambiental do Ibama no Estado, as indústrias carvoeira e siderúrgica são hoje duas das principais “indutoras do desmatamento” do cerrado.
“A carvoarias atuam diretamente. E as siderúrgicas só querem saber de colocar mais carvão para dentro da indústria, sem se importar com a origem e as condições em que foi produzido”, afirma.
O ambientalista Alcides Faria, diretor-executivo da ONG sul-mato-grossense Ecoa (Ecologia e Ação), diz que até mesmo as áreas da planície pantaneira já são alvo das carvoarias.
“Entre os impactos possíveis estão a erosão e o assoreamento dos rios”, diz Faria.
PARA FAZER PASTO
De acordo com ele, a transformação de matas nativas em carvão é hoje uma opção rentável para a ampliação de áreas para a pecuária. “Muitos fazendeiros usam as natas nativas de suas propriedades para financiar, por meio da produção de carvão, a abertura de novas pastagens”, afirma.
O processo segue o mesmo rumo, diz o ambientalista, nas regiões pantaneiras da Bolívia e do Paraguai, que hoje também são grandes produtoras de carvão de origem nativa. “Há uma nítida expansão dessas atividades por todo o bioma.”
“EXAGERO”
O presidente do sindicato do setor metalúrgico no Estado, Irineu Milanesi, diz que considera “exagerada” a estimativa feita pelo Ibama. De acordo com ele, as florestas plantadas “já são uma realidade”. “Não conseguiríamos sustentar a indústria só com carvão de origem nativa. Isso é um exagero do Ibama”, diz Milanesi.
Para Marcos Brito, do sindicato que representa a indústria carvoeira, a ideia de que matas nativas são derrubadas para a produção de carvão é um “equívoco”. “O que existe é o aproveitamento do material resultante de áreas desmatadas legalmente para a agropecuária.”
Segundo ele, o setor é o que mais gera empregos no Estado e será autossustentável em “sete a oito anos”. “Já temos 307 mil hectares plantados e devemos chegar a 500 mil hectares. Este processo já está bastante adiantado”, afirma Brito (Folha de S.Paulo, 5410)